Conceitos de Referência

Na páginaPor que este blog?comentava sobre meu interesse em ajudar a quem se interessa pelo ócio humanista e valioso, assim como pela relação desses conceitos com o desenvolvimento humano. Isso seria difícil sem o breve esclarecimento que segue e que, a modo de glossário, pretende facilitar aos leitores a correta compreensão dos textos que serão publicados.

É a primeira vez que faço isso. A maior parte dos artigos que publiquei começam esclarecendo o ponto de vista conceitual desde o qual escrevo e, normalmente, em quase todos os meus livros se dedica algum capítulo ou seção a esse mesmo aspecto. Todo esse trabalho prévio me ajuda agora. Os textos que seguem estão tomados de Ocio valioso (2004), na maior parte, e de Pedagogíadelocio: Modelos y propuestas(2004). Neles se explica com maior detalhe o que aqui limito-me a sintetizar, aquilo que permite compreender o significado dos conceitos que interessam a este blog.

Tempo livre

É comum que se identifique ócio e tempo livre, mas o certo é que são dois conceitos diferentes que convém diferenciar. Tempo livre assinala um espaço temporal oposto ao do trabalho, um tempo no qual a ausência de obrigações permite realizar ações de qualquer tipo, algumas podem ter a ver com o ócio e outras não. O tempo livre, enquanto tempo social, é algo objetivo, mensurável e quantificável, o temos ou não o temos; mas o ócio, que é uma vivência humana, se relaciona necessariamente com nossa vertente pessoal e subjetiva. Podemos ter muito tempo livre e, no entanto, não ter ócio. É o que ocorre quando alguém diz sentir-se entediado. Habitualmente a realização das experiências de ócio se efetiva durante o tempo livre, mas o tempo que precede a realização de uma atividade de ócio, quando se planifica ou se deseja, não tem que ser necessariamente “tempo livre”, nem tampouco seu tempo posterior.

Ócio

Podemos dizer que ócio é tudo aquilo que realizamos de um modo livre e sem uma finalidade utilitária, mas, fundamentalmente, porque disfrutamos ao realizá-lo. Isso explica o porquê de, a nível popular, o ócio moderno se identifique com o descanso, as férias, o espetáculo e a diversão, quando pode ser muito mais. Com já disse, o ócio não é tempo livre, tampouco a realização de umas atividades que se denominam assim e que poderiam lhe agradar ou não. O ócio é uma ação pessoal e/ou comunitária que tem sua raiz na motivação (algo que desejas e de que gostas) e na vontade (algo que decides fazer livremente). O ócio se realiza de forma pessoal e/ou comunitária, desde onde pode ser também considerado um fenômeno social. As experiências de ócio são algo mais que a realização de umas atividades determinadas (uma viagem, ler um livro, participar de um jogo…), são vivências complexas que se iniciam quando as estamos projetando ou desejando e continuam cada vez que desfrutamos recordando-as.

Ociosidade

Ócio e ociosidade são duas palavras distintas e, na maioria dos casos, de significados opostos. A ociosidade, relacionada com o pecado capital da preguiça, é tradicionalmente considerada a causa de todos os vícios. Sua oposição ao trabalho vem de muito tempo e isso facilitou que se identificasse com o ócio. Em uma cultura centrado no labor, como ocorreu com a sociedade industrial, o ócio só tem sentido quando é descanso; de outro modo parece ser apenas preguiça. No entanto, o ócio requer ação, interior e/ou exterior, e consciência, enquanto a ociosidade se caracteriza pela ausência de ambos atributos. Felizmente a confusão que sofreu historicamente o ócio a partir da ociosidade está desaparecendo em muitas sociedades ocidentais, ainda que siga mantendo-se em alguns países.

Ócio autotélico

Podemos dizer que ócio autotélico é uma experiência vital e um âmbito de desenvolvimento humano que, partindo de uma determinada atitude frente ao objeto da ação, se assenta em três pilares essenciais: livre eleição, fim em si mesmo (autotelismo) e sensação gratificante. O ócio autotélico se diferencia claramente de outros tipos de ócio e, desde nosso ponto de vista, sua realização se dá por meio das dimensões lúdica, ambiental-ecológica, criativa, festiva e solidária representadas na seguinte imagem:

Ainda que a referência tradicional nos estudo sobre o ócio venham sendo as práticas recreativas, entendidas como manifestação exterior e objetiva do que fazemos, o estudo do ócio autotélico se centra em seu caráter experiencial. A experiência de ócio é vivência humana subjetiva, livre, satisfatória e com fim em si mesma. Uma vivência que se caracteriza por se inscrever em um tempo processual, estar integrada por valores, ser vivida de um modo predominantemente emocional, não se justificar por um dever e estar condicionada pelo entorno em que se vive.

Ócio humanista

Partindo do conceito de ócio autotélico, no Instituto de Estudos do Ócio da Universidade de Deusto temos orientado nosso trabalho formativo e de pesquisa a partir do conceito de ócio humanista. Entendemos por ócio humanista aquele que defende a dignidade da pessoa e, portanto, entendemos sua prática como um direito humano. Também o reconhecemos como um ócio positivo que, favorecendo a melhoria individual e comunitária, se sustenta nos três valores fundamentais do ócio autotélico: liberdade, satisfação e gratuidade. Esses valores se complementam com outros importantes tais como identidade, superação e justiça. O ócio humanista é uma vivência gratificante, integral e complexa que não surge de um modo espontâneo, senão que requer formação.

Ócio valioso

Ócio valioso é a afirmação de um ócio com valores positivos para pessoas e comunidades, um ócio baseado no reconhecimento da importância das experiências satisfatórias e seu potencial de desenvolvimento. O adjetivo ‘valioso’ enfatiza o valor social benéfico que se reconhece na prática de determinados ócios, assim como sua capacidade de desenvolvimento humano, o que não exclui que, desde seu fomento, possam obter-se outros tipos de benefícios, dentre os quais o econômico.

O ócio valioso, enquanto necessidade humana de satisfação, desfrute, distanciamento da realidade e realização pessoal ou comunitária, se mostra de diferentes modos, em função das mentalidades, tradições e culturas dos diferentes povos; o que, de modo algum, se pode ignorar. É por isso que, de antemão, não podemos identificar como ócio valioso o que nos oferece a sociedade de consumo. Trata-se de uma experiência complexa que não depende da oferta e da demanda, mas que se relaciona com a percepção dos praticantes e dos valores e potencialidades que objetivamente desenvolve.

Coordenadas do ócio

As Coordenadas do Ócio são áreas diferenciadas nas quais se realiza o ócio e que, desde o ponto de vista da investigação, a intervenção ou a docência orientam seu conhecimento, estudo e classificação. Consideramos que o ócio pode se manifestar em quatro coordenadas diferentes: Autotélica, Exotélica, Ausente e Nociva. Cada uma dessas coordenadas tem uma manifestação e um tipo de vivência diferente.

O ócio autotélico, como anteriormente indicado, tem relação com as experiências de ócio que se realizam de um modo satisfatório, livre e com fim em si mesmas, sem um interesse utilitário. O ócio exotélico vê sua prática como um meio para alcançar outra meta e não como um fim em si mesmo. Refere-se a experiências que podem ser livres e satisfatórias, mas que não se realizam por elas mesmas, senão pelo que se consegue por meio delas. Por ócio ausente entendemos a carência de ócio, quando um sujeito percebe a ausência de vivências livres, satisfatórias e gratuitas. Dito em termos coloquiais, seria algo assim como a percepção de um tempo vazio, cheio de tédio. Finalmente, chamamos ócio nocivoàs experiências de ócio caracterizadas pela ausência de liberdade (pessoal ou social), satisfação (no sentido de satisfação interna) e/ou gratuidade (referida a um fim em si mesmo). São, portanto, experiências de ócio deficientes, que carecem de um ou vários aspectos essenciais do ócio autotélico e, por isso, têm umas consequências negativas, a nível individual ou social.

Dimensões do ócio

Se as coordenadas do ócio assinalam áreas de ação diferenciadas que permitem uma primeira identificação das experiências de ócio, as dimensões se referem às manifestações específicas em cada coordenada concreta. As dimensões do ócio respondem a distintos modos de viver o ócio e se relacionam com diversos âmbitos, ambientes, equipamentos e recursos. Em cada uma das coordenadas do ócio antes assinaladas podemos encontrar distintas dimensões. As mais interessantes desde o ponto de vista do ócio e do desenvolvimento humano são as do ócio autotélico, no qual identificamos cinco dimensões fundamentais: Lúdica, Ambiental-ecológica, Criativa, Festiva e Solidária.

Educação do ócio

É uma denominação unida a processos de aprendizagem de atitudes, habilidades, conhecimentos, condutas e valores relacionados com as experiências de ócio. É parte essencial da formação permanente e tem uma função importante no desenvolvimento do potencial humano, do bem-estar e da qualidade de vida. A Educação do ócio nos situa frente âmbitos de aprendizagem desinteressada e ações gratificantes. Tem a ver com a revalorização do cotidiano e do extraordinário, assim como das experiências criativas e lúdicas ou da vivência de valores tais como liberdade, participação, solidariedade e comunicação. É um processo ao longo da vida que, como o ócio, acompanha nosso próprio desenvolvimento, nossas necessidades, capacidades e circunstâncias. Seu objetivo constante é aumentar as opções, pessoais e comunitárias, para ter experiências de ócio de qualidade.

A pedagogia do ócio

Quando o processo educativo do ócio se faz sistemático e é possível estudá-lo como mais uma disciplina acadêmica o chamamos de Pedagogia do ócio. Ela é uma parte da ciência que organiza os conhecimentos diacrônicos ou sincrônicos relacionados com a experiência de ócio e sua ação educativa. A Pedagogia do ócio é a Educação do Ócio sistematizada e organizada, de modo a nos proporcionar reflexão, compreensão, estudo científico e propostas de aprimoramento.

(Tradução: Cláudio Augusto Silva Gutierrez).